Paz e Mel

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Papa discorre sobre São Bernardo e Abelardo, Fé e Razão

 

Queridos e amados irmãos e irmãs, pessoal que acompanha nosso blog:

 

Seguimos repassando as catequeses papais sobre os santos da Idade Média, e assim conhecendo-a melhor. Hoje repassamos a catequese ministrada no último dia 04 de novembro, em que o Santo Padre deu conta de dois modelos teológicos, o de Abelardo e o de São Bernardo de Claraval.

 

O Papa começou recordando a catequese anterior e dando um conceito de teologia, "a busca de uma compreensão racional, na medida do possível, dos mistérios da Revelação cristã, acreditados por fé: fides quaerens intellectum – a fé procura a inteligibilidade – usando uma definição tradicional, concisa e eficaz". Aí ressalta que Bernardo dá ênfase a questão da fé e Abelardo a da razão. A partir de então, o sucessor de Pedro vai discorrendo sobre a importância e o equilíbrio entre ambas.

 

Fiquem com a catequese, bom proveito.

 

Grande abraço,

 

Manoel Guimarães,

Comunidade Paz & Mel.

 

"Queridos irmãos e irmãs!

Na última catequese apresentei as características principais da teologia monástica e da teologia escolástica do século XII, que poderíamos chamar, num certo sentido, respectivamente 'teologia do coração' e 'teologia da razão'. Desenvolveu-se entre os representantes de uma e de outra corrente um debate amplo e por vezes animado, simbolicamente representado pela controvérsia entre São Bernardo de Claraval e Abelardo.

Para compreender este confronto entre os dois grandes mestres, convém recordar que a teologia é a busca de uma compreensão racional, na medida do possível, dos mistérios da Revelação cristã, acreditados por fé: fides quaerens intellectum – a fé procura a inteligibilidade – usando uma definição tradicional, concisa e eficaz. Mas enquanto Bernardo, típico representante da teologia monástica, realça a primeira parte da definição, ou seja, a fides – a fé, Abelardo, que é um escolástico, insiste sobre a segunda parte, isto é, sobre o intellectus, acerca da compreensão através da razão. Para Bernardo a própria fé é dotada de uma certeza profunda, fundada no testemunho da Escritura e no ensinamento dos Padres da Igreja. Além disso, a fé é fortalecida pelo testemunho dos santos e pela inspiração do Espírito Santo na alma de cada um dos crentes. Nos casos de dúvida e ambigüidade, a fé é protegida e iluminada pela prática do Magistério eclesial. Assim, Bernardo tem dificuldade em concordar com Abelardo, e mais em geral com quantos submetiam a verdade da fé ao exame crítico da razão; um exame que comportava, na sua opinião, um grave perigo, isto é, o intelectualismo, a relativização da verdade, o questionar as próprias verdades da fé. Neste modo de proceder Bernardo via uma audácia levada até à falta de escrúpulos, fruto do orgulho da inteligência humana, que pretende 'capturar' o mistério de Deus. Numa sua carta, entristecido, assim escreve: 'O engenho humano apodera-se de tudo, nada deixando à fé. Enfrenta o que está acima de si, perscruta o que lhe é superior, irrompe no mundo de Deus, altera os mistérios da fé, em vez de os iluminar; não abre o que está fechado e selado, mas desenraíza-o, e considera nada o que não considera percorrível para si, e rejeita acreditar nisso' (Epistola CLXXXVIII, 1: PL 182, 1, 353).

Para Bernardo a teologia tem uma única finalidade: a de promover a experiência viva e íntima de Deus. A teologia é então uma ajuda para amar cada vez mais e melhor o Senhor, como recita o título do tratado sobre o Dever de amar a Deus (De diligendo Deo). Neste caminho, há diversos graus, que Bernardo descreve aprofundadamente, até ao ápice quando a alma do crente se inebria nos vértices do amor. A alma humana pode alcançar já na terra esta união mística com o Verbo divino, união que o Doctor Mellifluus descreve como 'núpcias espirituais'. O Verbo divino visita-a, elimina as últimas resistências, ilumina-a, inflama-a e transforma-a. Nesta união mística, ela goza de grande serenidade e doçura, e canta ao seu Esposo um hino de júbilo. Como recordei na catequese dedicada à vida e à doutrina de São Bernardo, a teologia para ele só pode alimentar-se da oração contemplativa, noutras palavras, da união afetiva do coração e da mente com Deus.

Abelardo, que entre outras coisas, foi quem introduziu a palavra 'teologia' no sentido no qual hoje a compreendemos, coloca-se ao contrário numa perspectiva diversa. Nascido na Bretanha, França, este famoso mestre do século XII era dotado de uma inteligência vivíssima, e a sua vocação era o estudo. Ocupou-se primeiro de filosofia e depois aplicou os resultados alcançados nesta disciplina à teologia, da qual foi mestre na cidade mais culta da época, Paris, e sucessivamente nos mosteiros em que viveu. Era um orador brilhante: as suas lições eram seguidas por verdadeiras multidões de estudantes. Espírito religioso, mas personalidade inquieta, a sua existência foi rica de lances teatrais: contestou os seus mestres, teve um filho de uma mulher culta e inteligente, Heloísa. Polemizou com freqüência com os seus colegas teólogos, sofreu também condenações eclesiásticas, embora tenha morrido em plena comunhão com a Igreja, a cuja autoridade se submeteu com espírito de fé. Precisamente São Bernardo contribuiu para a condenação de algumas doutrinas de Abelardo no sínodo provincial de Sens de 1140, e solicitou também a intervenção do Papa Inocêncio II. O abade de Claraval contestava, como recordamos, o método demasiado intelectualista de Abelardo que, na sua opinião, reduzia a fé a uma simples opinião separada da verdade revelada. O receio de Bernardo não era infundado e, aliás, era partilhado também por outros grandes pensadores da época. Efetivamente, um uso excessivo da filosofia tornou perigosamente frágil a doutrina trinitária de Abelardo, e deste modo a sua idéia de Deus. No âmbito moral o seu ensinamento não estava privado de ambigüidades: ele insistia em considerar a intenção do sujeito como a única fonte para descrever a bondade ou a malícia dos atos morais, descuidando deste modo o significado objetivo e o valor moral da ações: um subjetivismo perigoso. Este é – como sabemos – um aspecto muito atual para a nossa época, na qual a cultura está com freqüência marcada por uma crescente tendência ao relativismo ético: só o eu decide o que é bom para mim, neste momento. Contudo, não devemos esquecer também os grandes méritos de Abelardo, que teve muitos discípulos e contribuiu decididamente para o desenvolvimento da teologia escolástica, destinada a expressar-se de modo mais maduro e fecundo no século seguinte. Nem devem ser subestimadas algumas das suas intuições, como por exemplo, quando afirma que nas tradições religiosas não cristãs já existe uma preparação para o acolhimento de Cristo, Verbo Divino.

Que podemos nós hoje aprender do confronto, dos tons muitas vezes animados, entre Bernardo e Abelardo e, por fim, entre a teologia monástica e a escolástica? Antes de tudo penso que ele mostre a utilidade e a necessidade de um sadio debate teológico na Igreja, sobretudo quando as questões debatidas não foram definidas pelo Magistério, o qual permanece, contudo, um ponto de referência iniludível. São Bernardo, mas também o próprio Abelardo, reconheceram sempre sem hesitações a sua autoridade. Além disso, as condenações que este último sofreu recordam-nos que no campo teológico deve haver um equilíbrio entre os que podemos chamar os princípios arquitectônicos que nos foram dados pela Revelação e que por isso conservam a importância prioritária, e os interpretativos sugeridos pela filosofia, ou seja, pela razão, e que desempenham uma função importante mas só instrumental. Quando falta este equilíbrio entre a arquitetura e os instrumentos de interpretação, a reflexão teológica corre o risco de ser viciada por erros, e então compete ao Magistério o exercício daquele serviço necessário à verdade que lhe é próprio. Além disso, é preciso ressaltar que, entre as motivações que levaram Bernardo e 'declarar-se' contra Abelardo e a solicitar a intervenção do Magistério, estava também a preocupação de salvaguardar os crentes simples e humildes, os quais devem ser defendidos quando correm o risco de serem confundidos ou desviados por opiniões demasiado pessoais e por argumentações teológicas sem escrúpulos, que poderiam pôr em perigo a sua fé.

Por fim, gostaria de recordar que o confronto teológico entre Bernardo e Abelardo se concluiu com uma plena reconciliação entre os dois, graças à mediação de um amigo comum, o abade de Cluny, Pedro o Venerável, sobre o qual já falei numa das catequeses precedentes. Abelardo mostrou humildade em reconhecer os seus erros, Bernardo foi muito benevolente. Em ambos prevaleceu o que deve ser verdadeiramente uma preocupação quando surge uma controvérsia teológica, isto é, salvaguardar a fé da Igreja e fazer triunfar a verdade na caridade. Que esta seja também hoje a atitude com a qual nos confrontamos na Igreja, tendo sempre como meta a busca da verdade".

 

Fonte:

 

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/audiences/2009/documents/hf_ben-xvi_aud_20091104_po.html

 

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