Paz e Mel

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“O Sentido da Morte”, por Dom Eugênio Sales

 

Queridos e amados irmãos e irmãs:

 

Com imensa alegria, prosseguimos o reverberar das grandes meditações do Cardeal Dom Eugênio Sales, Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro. A que segue, ministrada às vésperas do dia de finados, reflete a realidade da proximidade da morte e seu efeito em uma sociedade que perdeu o sentido de transcendência, que vive buscando o prazer, deixando de ser feliz e se esquecendo que a felicidade plena só virá na eternidade. Acaba por tangenciar os efeitos do temor da velhice, medo dos compromissos, enfraquecimento do Matrimônio, tudo para concluir que foi na Ressurreição de Cristo com a conseqüente abertura a nós da vida eterna que se vencem nossos temores mais profundos.

 

Fiquem na paz e boa leitura!

 

Abraço fraterno,

 

Manoel Guimarães,

 

Comunidade Paz & Mel.

 

 

"O SENTIDO DA MORTE

 

Prezados ouvintes,


Cada túmulo é um monumento que perpetua neste mundo, as interrogações profundas do coração: por que viver? Por que morrer? Será que a dor dessa separação é o sentido último da existência humana?


Nos dias atuais, cada vez se conhece mais os segredos da psique, embora aumente a ausência, em nosso íntimo, da serenidade e da paz. Cresce a competência da medicina. Todavia tomam dimensões assustadoras os problemas da velhice desamparada pela própria família. O amor conjugal procurou emancipar-se: recusa a tutela da sociedade, da moral e, em conseqüência, decresce o número de matrimônios felizes. Busca-se avidamente a harmonia onde não pode ser obtida. Essa frustração no amor parece ser uma chaga que nos aflige.


A sociedade moderna torna-se um corpo doente, assistida por remédios sem número e aparelhagens sofisticadas. Ao curar-se um mal surgem novas mazelas.


Aspira-se à vida onde ela não se encontra, pois a ânsia dos prazeres que entorpecem as consciências nos conduz à morte. Tal explicação deriva do fato de o homem possuir uma dimensão transcendental. Desprezando-a, jamais se realizará plenamente.


O Dia de Finados coloca diante de nós, no íntimo de cada um essa angústia: a interrogação sobre o Além. Um verdadeiro grito de alerta que favorece a salvação e soluciona dificuldades pela garantia de uma perspectiva perceptível pelos sentidos.


No Antigo Testamento não temos uma resposta cabal. A luta contra os cultos pagãos, que transformavam os defuntos em verdadeiros deuses, exigia medidas profiláticas em favor do povo eleito: 'Só Eu sou o Senhor' (Lv 19,28; 20, 6.27). 'Vós sois os filhos do Senhor, vosso Deus; por isso, não presteis culto aos mortos' (Dt 14,1). Assim, inculcavam que estes não são divindades, mas, em suas cinzas, seres como nós.


Nos textos sagrados antes de Cristo, a morte conservava sua força como penalidade pela desobediência dos primeiros pais.


Os portais da Eternidade permaneciam impenetráveis. Geme o grande profeta Isaías (38, 10-12): 'É necessário, pois, que eu me vá no apogeu de minha vida. Serei encerrado por detrás das portas da habitação dos mortos (...). Não verei mais o Senhor na terra dos viventes, não verei mais a luz (...). Arrancam as estacas de meu abrigo, arrebentam-no como uma tenda de pastores'.


Somente com o fulgor da Ressurreição foram vencidas as trevas que envolviam a condição do homem após a morte. O acontecimento revelou o poder sobre o que destruía o corpo. Por isso, São Paulo, convertido, proclama que o Salvador resgatou o véu misterioso da morte, perdoou o pecado, apagou a culpa, reconciliou a criatura com o Criador. Assim, destruída a causa dos males, desapareceu o castigo na dimensão de permanência, restando apenas algo de transitório. Ainda devemos passar pelo túmulo, como o Mestre; mas o que se lhe segue deixou de ter o estigma da tristeza, para se transformar em esperança.


Essa profunda metamorfose surge de um fato: 'Eu vivo e vós vivereis' (Jo 14,19). Sua vitória é nosso triunfo. No meio das dores dos que choram seus entes queridos, repitamos com o Apóstolo: 'Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? A morte foi tragada pela vida' (1Cor 15,55).


Desse ensinamento de fé cristã brotam valiosas conseqüências. A primeira delas é a esperança que envolve a saudade ao visitar os túmulos de nossos entes queridos. A luz da vela acesa nos recorda o fulgor de Cristo que ressuscitou e o fará a todos que são batizados na sua morte. Eles o acompanham, vitoriosos, na sobrevivência eterna. A firme convicção da Palavra de Deus é o sólido fundamento dessa confiança.


A outra é a admoestação que todo cemitério nos sugere. As sepulturas nos falam de nosso amanhã: lá estaremos também. Entretanto, só 'quem não ama permanece na morte' (Jo 3,14). Assim, a Ressurreição do Senhor produzirá em nós seus frutos na medida em que na vida praticamos as obras do Redentor: a justiça, a bondade e o perdão. Toda uma existência seguindo o Evangelho nos abre uma maior possibilidade de participação na glória eterna. As renúncias são pedidas, mas os sacrifícios dessas exigências desaparecem diante da perspectiva futura.


A última reflexão no Dia de Finados é relativa à nossa maior aproximação com os que nos precederam na glória eterna. Eles usufruem da alegria do Paraíso. Então, estaremos mais unidos aos nossos entes queridos à medida que nossos corações permanecem junto ao Senhor. A oração é o momento de nos encontrarmos diante da face de Deus e com aqueles que hoje já participam da vitória de Cristo.


Assim o Dia de Finados continua envolto em saudade provocada pela ausência física dos que amamos e já se foram. E, no entanto, é também uma ocasião de louvores: 'Graças sejam dadas a Deus, que nos dá a vitória eterna, por nosso Senhor Jesus Cristo' (1Cor 15,27).


Somente os que crêem na Palavra de Deus recebem a graça transformadora. Ela converte a dor na esperança e substitui por uma presença o vazio deixado pelos que nos antecederam na casa do Pai.


Cardeal Eugenio de Araujo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

30/10/2009".

 

Fonte: http://www.arquidiocese.org.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=2418&sid=78

 

 

 

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